O desembargador Luiz Gonzaga Mendes Marques, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, deferiu pedido cautelar feito Ordem dos Advogados do Brasil, seção MS, em Ação Direta de Inconstitucionalidade contra dois decretos da Prefeitura de Ladário, que convocaram a população de Ladário a fazer 21 dias de oração e um dia de jejum de sua livre escolha, no período de 18 de maio a 07 de junho, numa corrente espiritual contra a pandemia do coronavírus.
A decisão foi publicada nesta terça-feira, 26 de maio, e suspende, provisória e imediatamente, os decretos n.° 5.194/2020 e n.° 5.202/2020, do Município de Ladário, até o julgamento do mérito da ação. O desembargador, relator do processo, ainda determina a notificação urgente do prefeito Iranil Soares sobre a decisão.
“Em que pese a ausência de efeito prático, específico e concreto do ato impugnado, já que conclama, recomenda e sugere que os cidadãos de Ladário voluntariamente cumpram as disposições espirituais nele contidas, o fato de estabelecer período certo de duração evidencia um mínimo de efeito cogente à população daquela municipalidade, estabelecendo certas liturgias espirituais (orações, jejum e corrente/cerco de oração), em desrespeito ao pluralismo existente na sociedade local”, citou o desembargador em sua decisão.
“É necessária a cessação imediata do ato impugnado potencialmente capaz de causar confusão ou desconforto desnecessário à comunidade ladarense, em época já naturalmente de bastante dificuldade em razão do enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, cabendo a cada um dos indivíduos, de maneira reservada, íntima e de acordo com sua livre e própria convicção professar ou não alguma fé ou sentimento religioso”, completou.
Entenda
O decreto nº 5.194 foi publicado no dia 15 de maio e pediu que os cristãos façam suas orações em casa ou nos locais de adoração, voluntariamente, e sem aglomeração e para o dia 07 de junho, que os moradores façam um “cerco espiritual” entre 05h e 06h, em suas residências, “para pedir a Deus por todas as pessoas que já estão doentes quanto para aqueles que já estão tomando medidas para não contrair a covid-19, bem como afastar esse mal que assola a nossa nação”.
Embora o documento citasse a participação voluntária da população, o presidente da Subseção da OAB em Corumbá, advogado Roberto Ajala Lins, disse que o decreto é inconstitucional e subsidiou a OAB/MS, órgão competente, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada no dia 20 de maio no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
“Viola a liberdade de crença, cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988, uma vez que o prefeito se utilizou de sua autoridade civil para imiscuir-se em um assunto que tange o mais íntimo do indivíduo, a sua fé. Inclusive, definiu os dias, horários e o modo de se realizar as orações por ele decretadas. O decreto fere a separação Igreja-Estado. A linha tênue que existe entre o Estado e as religiões em geral, faz com que não exista nenhuma religião oficial e o Estado não deve deixar de prestar proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões. Esse é o Estado laico”, explicou Roberto Lins.
O prefeito Iranil Soares decidiu não revogou o decreto, mas alterou o texto. No decreto número 5.202, de 21 de maio de 2020, ele conclamou a população ladarense “a fazer orações voluntárias a Deus como uma medida complementar neste período de pandemia da covid-19”.
Prefeito Iranil Soares editou dois decretos pedindo orações à população
Manteve o período de orações e jejum, mas para “aqueles que puderem e quiserem voluntariamente, de acordo com a sua respectiva religião”. Sugeriu “àqueles que pela sua fé, tenham o hábito de orar, que participem da corrente/cerco de oração no dia 07 de junho, das 05h às 06h, dentro de suas casas”.
A nova redação pediu à população que atenda às recomendações das autoridades da Saúde em relação à prevenção do coronavírus e ressaltou que “o presente decreto não tem o condão de tornar obrigatória a oração e nem de impor determinada fé ou religião. Trata-se de um clamor oficial generalizado, que tem intenção de ser complementar às medidas sanitárias legais já devidamente realizadas pelo Poder Municipal”.
O presidente da Subseção da OAB/Corumbá falou ao Diário Corumbaense sobre a suspensão dos decretos. “Essa decisão liminar entendeu o pleito da OAB porque viu que estavam presentes os requisitos legais capazes de suspender provisória e imediatamente a eficácia dos decretos manifestamente inconstitucionais”, afirmou.
O prefeito de Ladário ainda não se pronunciou sobre a decisão judicial.
Diário Corumbaense